Processos de Assemblagem nos Painéis de Pintura
Breves Noções
Embora tenha havido um progresso significativo das técnicas
ao longo do tempo, aqui elencarei aquelas que são características dos séculos e
dos países em que a sua execução foi mais frequente, nomeadamente a Itália e a
Espanha entre os séculos XIII e XVII.
A assemblagem é o
processo final da preparaçao de paineis de madeira para pintura, consistindo
num conjunto de soluções e técnicas usadas para unir varias tábuas de madeira,
de modo a formar uma peça única e de dimensões variadas.
Os
painéis de madeira, construíam-se, assemblando várias tábuas de madeira, cujo
numero dependeria do tamanho total da peça. As dimensões do painel
estabeleciam-se previamente com o traço arquitectónico e tinha que estar em
consonância com o esquema compositivo.
No que
respeita à construção dos primeiros painéis de que há registo, essa deu-se no
século XIII. Primeiramente escolhia-se a face mais interna da tábua para
receber os extractos preparatórios, a fim de conferir maior estabilidade As tábuas
eram trabalhadas individualmente. A face escolhida para a frente do painel era
perfeitamente plana, ao passo que a face destinada ao tardoz
não tinha tantas preocupações de nivelamentos, predominando aí as marcas dos
utensílios de trabalho, tais como a serra, lâminas de duplo cabo, enxós e
até machados.
Alguns instrumentos de desbaste da madeira
Marcas das ferramentas no tardoz do painel
Numa
primeira fase a união era apenas com as juntas vivas, simplesmente coladas pela
contra-face com cola animal e reforçadas com duas travessas.
União das tábuas com juntas vivas
Como regra
preferia-se colocar ao centro as tábuas mais largas. As menos
grossas ocupavam as extremidades do painel (Neste tipo de peças usar tábuas de maiores
dimensões diminuía a possibilidade de transmissão das marcas das uniões sobre a
pintura e extractos preparatórios. O resultado era óptimo quando seleccionadas tábuas de corte radial).
Posteriormente,
como complemento de união de juntas vivas, começou-se a colocar como reforço, caudas
e duplas caudas de andorinha. Consistia em talhar numa madeira dura uma
peça em forma de laço, o qual depois encaixaria em caixas talhadas com a mesma
forma nas tábuas. Este tipo de união é muito forte pois não permite movimentos
muito bruscos do suporte. Por vezes estavam presentes no início das fissuras
para impedir o seu avanço.
Cauda e
dupla cauda de andorinha
Existem outros
sistemas, menos frequentes, como a união em meia madeira, que consistia
em talhar uma caixa longitudinal nos bordos a unir, aproximadamente a meio da
grossura da tábua, de forma a apoiar bordo com bordo, sendo unidas com cola
animal. Geralmente aplicado em suportes relativamente grandes, constituídos por
mais de uma tábua, este sistema não era utilizado com muita frequência, pois
oferecia pouca resistência devido à sua demasiada superfície colada que se
descolava com o tempo.
União em meia madeira
Métodos
mais antigos como a união mediante espigas cilíndricas de ferro ou madeira embutidas
na contra-face interna de cada tábua. Próprio da pintura italiana, faziam parte
de um método utilizado em tábuas, muitas vezes destinadas a serem pintadas nas
duas faces.
União das tábuas com recurso a espigas
Todas
estas uniões não garantiam por si só a união de tábuas, como tal eram reforçadas
com travessas de sustentação dessas construções.
Outro dos
sistemas varias vezes utilizado era a união de juntas vivas com uma cola e reforçado com espigas ou taleiras ou até com as duas modalidades usadas na
mesma união. Na contra face das tábuas a unir preparavam-se cavidades
circulares e cavidades rectangulares para inserir, respectivamente, espigas
e taleiras.
Combinação de cavilhas e taleiras em união de
juntas vivas conjugadas com ouitra união em meia tábua
Estes
elementos eram de madeira mais dura da que a constituía o suporte, colocado em sentido ortogonal ao das fibras da tábua, sem cola e distribuídos de modo regular ao longo do perfil da tábua. As suas importantes funções eram a de manter acorrecta união e nivelamento entra as tábuas no momento da colagem, e
como função secundária a de tornar rígida a zona de união. Seguia-se depois a
colagem com casaeínato de cálcio e a inserção de pequenas cavilhas na zona ocupada pelas taleiras para evitar o movimento dessas aquando das movimentações das tábuas de suporte.
A escolha da cola
também não era casual pois tinham a necessidade de usar um adesivo que se
pudesse trabalhar a frio, mais concretamente usá-la à temperatura ambiente e
com tempo de presa relativamente longo para assim adaptá-la à realização de
peças com grandes dimensões e com variado numero de tábuas.
A união
das tábuas de suporte foi, muitas vezes, auxiliada por instrumentos em ferro
constituídos por uma barra grossa fixa e outra móvel regulada por uma
pequena viga cilíndrica e auxiliadas por uma espécie de cunhas que provocavam a
compressão final.
Combinação de cavilhas e taleiras em união de
juntas vivas conjugadas com ouitra união em meia tábua.
Fossem os
painéis reforçados com simples travessas ou dotados de sistemas mais complicados, o método usado para fixação dessas ao suporte do painel era o cravo. Esse era de forma quadrangular, piramidal no seu comprimento, com uma larga cabeça espalmada e uma ponta fina. Geralmente eram em liga de ferro com características dúcteis.
A sua distribuição era geralmente de dois pregos por
tábua. Nas tábuas mais largas poderiam ser três. A sua aplicação tanto poderia
ser nas travessas (pelo tardoz), passando a espessura dessas e saindo numa cavidade frontal do painel onde era dobrada de forma a desempenhar a função de união, ou então eram introduzidas no sentido inverso. Em seguida essa cavidade poderia ser preenchida de varias formas: com madeira da mesma espécie da do
painel; estucado com gesso e cola; preenchidos com cera ou com uma fina película de estanho. Estas
operações serviam, quer para nivelar a superfície pensando nos extractos
preparatórios, quer para evitar oxidações, quer ainda para equilibrar forças de
tensão.
Fixação das tábuas de suporte ás travessas através de cravos.
Ao nível
das travessas existem painéis que têm a união das suas tábuas reforçadas com travessas fixas às tábuas através de cravos (dois por tábua) e outras em que
esse reforço é complementado com duas travessas colocadas na diagonal, formando
um X (travessas
em aspas).
Travessas em aspas.
Noutros
painéis, constituintes de retábulos ou simples painéis, possuíam uma espécie de
grade perímetral ligada com travessas.
Remate das travessas com uma espécie de grade
perimetral.
Com o fim de 1300 e
início de 1400 deram-se inovações revolucionárias na cultura, condicionando de
modo profundo a actividade artística, também no campo da construção de painéis
de pintura sobre madeira se encontram essas mudanças. Na
verdade, os novos formatos renascentistas, substancialmente rectangulares,
inserem-se numa estrutura arquitectónica derivada das ordens clássicas e lhes é
conferido maior autonomia em relação às estruturas elaboradas que os
sustentavam.
Em 1400, já as
obras dos séculos anteriores demonstravam problemas de conservação a nível do
lenho denso, quer nas tábuas do painel quer nas travessas fixas com elementos
metálicos. A relativa rigidez desses sistemas condicionava, dentro de certos
limites, movimentações da madeira, provocando tensões e consequentemente
fenómenos de deformações e fissurações nas tábuas dos painéis. Esses fenómenos
manifestavam-se em particular nas tábuas de grandes dimensões, que não
encontravam nesses sistemas uma elasticidade suficiente entre as várias partes
da obra. Assim não conseguiam suportar, incólumes às variações dimensionais dos
materiais, causada pelas variações da humidade relativa e ao envelhecimento
natural ao longo do tempo.
O que nos
séculos anteriores era um sistema de travessas rígidas, coladas solidamente ao
suporte, evolui no séc. XV para uma decomposição dos vários elementos, onde o
sistema de travessas confere mais liberdade às necessidades da madeira do
suporte, continuando a assumir o papel de sustentação da construção mas,
desempenhando agora o papel principal de controlo das deformações do material
lenhoso.
A preferência na
escolha da madeira continua a incluir o Choupo. Continua-se também a escolher a
face mais interna das tábuas para extractos preparatórios e a outra face para o
tardoz
Um dos
sistemas inovadores construídos foi, sobretudo em obras de menor espessura de
tábuas, a aplicação de travessas de inserção na espessura do suporte,
utilizando duas delas mais externas colocadas numa direcção e uma central em
sentido contrário.
Travessa de inserção no próprio tardoz do suporte.
Noutros
casos as contra faces são rectificados antes da
sua colagem e, quer as cavilhas como as taleiras já não são aqui usadas,
substituindo-se por pernos metálicos que serviam a fixação das travessas.
Previamente eramdesenhadas as áreas dos pontos de fixação. É de sublinhar que
os critérios de controlo das deformações mantém-se sempre puntiformes e
exercidos no perfil das tábuas. Os sistemas de montagem das várias tábuas
baseiam-se num cilindro metálico colocado no momento da assemblagem, na junção entre as tábuas do suporte. A este elemento, colocado ao centro da espessura
das tábuas, junta-se uma barra metálica (género gancho) que trespassa em
largura a travessa e a fixa ao suporte por meio de uma cavilha metálica
Colocação de pernos metálicos para ancorar o gancho
que fixa a travessa por meio de cavilha.
Este sistema
permite não só o controlo dos empenos do painel como também consentir uma
independência de movimentos entre tábuas. A novidade está na possibilidade de uma
fácil intervenção sobre o mecanismo, substituindo-se eventuais elementos que já
não desempenhem as suas funções.
Tendo em conta a evolução das técnicas na manufactura de painéis deste
género, pode-se constatar a preocupação desde muito cedo que os
artífices tinham com o aspecto da conservação destas obras; e a substituição de
estruturas fixas e rígidas por outras com sistemas mais móveis é disso um bom
exemplo. Pode ainda observar-se que a compreensão das
tecnologias da madeira e a sua reacção ao meio envolvente foi fundamental para
que os “madeireiros” (expressão assim designada em Itália aos artífices a quem
cabia a execução deste tipo de peças) percebessem quais as melhores, mais eficazes e
até as menos intrusivas técnicas a aplicar, de forma, não só a prolongarem o
seu tempo de vida como também a permitirem que peças desse sistema fossem substituídas quando necessário.
Gil Barros ©